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Aceitação do uso da órtese em tratamentos de Pé Torto Congênito

Aceitação do uso da órtese em tratamentos de Pé Torto Congênito
Franciela Fernandes
mai. 29 - 6 min de leitura
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Usar órtese para correção de uma deformidade requer disciplina. Acontece que essa disciplina, quando a criança é bebê, depende dos pais ou cuidadores que são responsáveis por estabelecer a rotina e o uso correto do dispositivo. Em quase dois anos de tratamento para correção do Pé Torto Congênito (PTC) do meu filho, que nasceu com a deformidade no pé esquerdo, eu e meu marido vivemos muitas etapas com a órtese: a de adaptação, disciplina, resiliência e aceitação. Neste post, conto para vocês, leitores da plataforma Mundo Adaptado, como foi e como tem sido este processo.  

Meu filho começou a usar a órtese (modelo Dennis Brown) aos dois meses de vida, após uma cirurgia no tendão de Aquiles chamada Tenotomia. Quando vimos o seu pezinho, depois da manipulação de gessos, estava perfeito. Quem desconhecia a deformidade não notava nada diferente em seu pé esquerdo, mas o tratamento só estava começando e o maior desafio ainda estava por vir: o uso da órtese para manter a posição correta dos pés e evitar a recidiva.  

Esses primeiros dias de uso do dispositivo foram bem desafiadores, para não dizer enlouquecedores. Meu filho não dormia bem, chorava muito,  não tinha força suficiente nas pernas para levantá-las e mudar de posição e só dormia de barriga para cima. 

Ele se irritava e eu também. Em meio ao caos que se estabeleceu por um tempo em casa, eu tinha certeza de que aquele incômodo estava diretamente relacionado ao uso do dispositivo. Era como se ele me perguntasse todos os dias: ‘Mamãe, por que estão fazendo isso comigo?’. 'Por que usar algo que impede meu movimento?'. Muitas perguntas rondavam meus pensamentos ao mesmo tempo. Respondia para mim mesma como mantra que tinha de continuar o tratamento, seguir firme e manter meu equilíbrio psicológico, para não transferir aqueles sentimentos a ele, que não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo. Era a etapa da adaptação.

O tratamento pelo Método Ponseti recomenda o uso da órtese nos primeiros três meses por 23h, retirando apenas para o banho. Após esse período, a criança passa a usar por 14h ou menos, dependendo do caso e da orientação médica.

Nesses três meses, o calcanhar dele ‘encaixou’ na botinha. Normalmente, neste início do uso, o calcanhar não fica ajustado à bota. É normal. Levei um tempo para entender isso e tinha pressa para que acontecesse logo, para ter certeza de que estava usando corretamente o dispositivo. Era uma ansiedade desnecessária, mas eu estava aprendendo a viver uma situação nova ao usar o aparelho, amamentar, carregar no dia a dia, viver o preconceito ao pisar fora de casa e tentar fazer tudo com ele usando a órtese. Estávamos aprendendo a ter disciplina.

Chegada a tão esperada alta para as 14h de uso, teríamos 10h 'livres' para nos abraçarmos sem a órtese, tomar banho sem olhar no relógio e brincar como qualquer criança em desenvolvimento. 

O tempo passou e meu filho se adaptou à órtese. Estabelecemos a rotina de horário para colocação e retirada do dispositivo. Tudo ia bem. Só que não. Ele ganhou força nas pernas, tônus e logo percebeu que naquele mesmo horário, todos os dias, era o momento de colocar a órtese. Ali começava o novo desafio: acalmá-lo, segurá-lo e fazê-lo entender a importância de usar o dispositivo.

A coisa foi ficando difícil porque ele não queria mais me deixar colocar. Todos os dias, quando chegava o momento de colocar,  no auge da minha ansiedade e também desequilíbrio emocional, chorávamos juntos. Eu não aceitava.

Nem sempre dividia isso com o meu marido. Ele também sofreu e talvez não tenha dividido todos os sentimentos e pensamentos daquela fase e de outras que viriam. Costumo dizer que a maternidade é solitária. Nem tudo o que sentimos, dividimos com os nossos parceiros. Tem sentimentos que só as mães sentem e nem sempre queremos ou somos capazes de expressar. A maneira que eu encontrei para aliviar essa 'caixinha de dor' era chorar no chuveiro, longe do meu marido e do meu filho. 

Sentia raiva, medo, insegurança e, diversas vezes, incapacidade. Tinha vontade de arremessar a órtese pela janela. Questionei Deus em muitas madrugadas afora. E, respeitando 'meu tempo', comecei a falar sobre os meus sentimentos com outras pessoas e a encarar de forma positiva a missão que recebemos da vida. 

Apesar de todos esses sentimentos contraditórios, continuei fazendo o que precisava ser feito todos os dias no mesmo horário. Ter disciplina não significava que eu, como mãe, tivesse aceitado a órtese. Vivíamos a fase de resiliência

Superada esta etapa, meu filho foi crescendo e se desenvolvendo, começou a andar com um ano e cinco meses. Enquanto isso, fui aprendendo a enxergar a órtese como uma aliada e não mais um incômodo ou fardo.

Aos poucos, percebi uma mudança no meu comportamento em relação à órtese. Quando chegava a hora de colocar, eu já não ficava mais tão nervosa. Procurava me acalmar, brincar com o meu filho antes, explicava a ele que precisava ajudar a mamãe a superar isso e que juntos venceríamos esta fase. E vencemos. 

Com muita paciência, equilíbrio emocional e amor, meu filho parou de chorar e se incomodar na hora de colocar a órtese. Ao dormir, aprendeu a movimentar-se e encontrou a posição mais confortável (sozinho!). Compreendi que a aceitação do meu filho em relação ao uso da órtese aconteceu espontaneamente quando eu, psicologicamente, aceitei.  

O dia em que ele me pediu para colocar a órtese, há cerca de seis meses atrás, percebi que havíamos entrado na fase de aceitação

A nossa luta, assim como a de outros pais de filhos com o Pé Torto Congênito, continua e novas etapas virão para nos ensinar. Uma certeza eu tenho: o resultado de um tratamento inclui aceitação dos envolvidos. Se isso não acontecer, avalie as razões pelas quais VOCÊ ainda não aceitou. Isso pode tornar as coisas mais leves para você, ao seu redor e, principalmente, para o seu filho. Pense nisso! 

 

Nós. 

 

 

 

 

 

 

 

 


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