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Medo da recidiva em tratamento de Pé Torto Congênito (PTC)

Medo da recidiva em tratamento de Pé Torto Congênito (PTC)
Franciela Fernandes
dez. 17 - 6 min de leitura
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Eu tenho medo da recidiva. Qual mãe ou família com um filho(a) que nasceu com o Pé Torto Congênito (PTC) e está em tratamento não tem esse medo? Por mais que faça o tratamento à risca, passando por todas as fases(gessos, tenotomia e uso da órtese),esse medo está adormecido dentro de nós.  

Nos últimos quase dois anos das nossas vidas, minha e de meu marido, nos dedicamos com rigor ao tratamento do nosso filho. Convivemos com esse medo, por mais que estejamos fazendo tudo corretamente. É algo que vamos aprender a lidar por mais alguns anos. Talvez até a alta do nosso filho prevista para acontecer quando ele completar quatro anos. 

O tratamento de Pé Torto Congênito pelo método Ponseti inclui gessos, cirurgia e horas de uso adequado da órtese para evitar que a deformidade volte. Até um ano de idade, a chance de a deformidade voltar é de 80%, depois esse percentual vai diminuindo gradativamente de acordo com os anos de uso.  

Sabemos que, mesmo após a alta, meu filho deverá receber acompanhamento do ortopedista enquanto estiver em fase de crescimento ou maturidade esquelética. Ou seja, até os 18 anos. Não se assustem! A luta de pais com filhos com o Pé Torto não acaba quando deixamos de usar a órtese. Precisamos ficar atentos a qualquer mudança nos membros (quadril, pernas, pés, joelho e tornozelo). Caso constate algo diferente, procure o médico o quanto antes. 

Durante o período em que íamos com maior frequência ao hospital, até por conta da fase dos gessos, conhecemos muitas histórias de sucesso e outras nem tanto. Sofremos junto com aquelas famílias que fizeram tudo certo e de repente a deformidade voltou para assombrá-los. Pode acontecer. Não estamos isentos disso nem temos antídoto para evitar que aconteça. 

Lembro de um caso que me emocionou muito em uma consulta de rotina do meu filho. Estávamos sentados de costas para os pais de uma menina com aproximadamente sete ou oito anos. Os pais estavam mostrando os pezinhos da filha para a médica, até que veio a notícia: precisariam encaminhá-la para o setor de gessos. Ela reiniciou o tratamento. 

Na hora, olhei para trás! Não olhei para a menina. Olhei para os pais. Sabe aquela expressão desolada? Meu coração partiu ao meio. Senti como se aquela notícia fosse pra gente. Não contive as lágrimas silenciosas. Minha vontade era abraçar aquela família e dizer: “Não percam a esperança. Ela vai ficar bem. Vocês vão ficar bem e tudo vai ficar bem.” 

Sabemos que, na prática, não é "tudo bem". Passar por uma recidiva é triste para a criança e para os pais também. Uma coisa é você enfrentar todas as etapas do tratamento enquanto seu filho ainda não anda, não corre, não fala, sequer vai lembrar de tudo que passaram. Outra é quando seu filho (a) entende o que está acontecendo e ficar impedido de andar por conta do gesso; mudar a rotina em casa, na escola, com os amigos e enfrentar a sociedade e seus preconceitos.

Ao olhar a expressão decepcionada dos pais, relembrei mais uma vez que não temos controle sobre tudo na vida. Não sabemos do futuro e nem o que ele nos prepara. Uma coisa é certa: tive ainda mais medo da recidiva. 

Dia desses fui até a loja onde compramos a órtese do meu filho para fazer a manutenção da fivela. Depois de meses de uso, sempre substituo as fivelas porque vão ficando gastas e é importante mantê-las com o ajustamento correto. 

Chegando lá, uma menina entrou de cadeira de rodas acompanhada da mãe e da avó. Logo a menina avistou a brinquedoteca e a mãe já foi avisando: "Filha, não dá para você ir até ali’". Mas como a menina queria muito, a mãe deu um jeito e a deixou brincando. Mesmo com a perna engessada.

A avó sentou do meu lado e perguntei se o motivo do gesso era PTC (Pé Torto Congênito). A avó disse que sim. Me contou que a órtese não era usava adequadamente e por isso voltou a entortar. "Agora, ela está com quatro anos e não pode brincar", disse a avó. Eu respondi: "Ela pode brincar. As crianças sempre encontram uma maneira de brincar e mostrar a nós, adultos, que são mais fortes do que imaginamos". A avó se calou. Não contente ela disse: ‘"Coitadinha". Respondi: ‘O tratamento demanda coragem, força e paciência. Acredite, a senhora principalmente, que ela vai superar e ficar bem". Ela se calou de vez.  

É claro que saí de lá com o coração apertado. Chorei pelo caminho, de novo, por me colocar no lugar dessa mãe julgada porque não seguiu o tratamento corretamente. Aliás, um pedido meu é para não julgarmos as famílias. Cada um tem uma realidade, uma dificuldade diferente e enfrenta o tratamento a sua maneira. Não julgar é uma atitude importante para ajudar outras pessoas, independentemente da deficiência que o seu filho (a) possa ter ou não.

Pode ser que daqui algum tempo eu perca o medo da recidiva. Não sei. Prefiro pensar que estamos fazendo sempre o melhor para o nosso filho. Se isso acontecer, será porque temos de enfrentar. Mas, no que depender de nós, torço para a recidiva continuar adormecida e não acordar nunca.  

Martim brinca com o pai na beira da praia em um momento que não precisa usar a órtese


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