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Reconquistando o que a desesperança teima em nos tirar

Reconquistando o que a desesperança teima em nos tirar
Guilherme Bucco
jan. 6 - 4 min de leitura
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Que a bicicleta se tornaria um dos símbolos do meu casamento, isso era certo. Comprei a minha com auxílio da esposa, em uma época em que ela era apenas uma amiga ciclista disseminando a ideologia do pedal. Depois de alguns passeios, de tomar chuva na volta do cinema e dos ventos de liberdade a nos refrescar, nossas "magrelinhas" acabaram passando dias e noites ao lado uma da outra.

Parte dos enfeites do casamento tinham ciclismo como tema.

                               Parte dos enfeites do casamento tinha o ciclismo como tema

Somos ciclistas urbanos. Pedalamos por exercício, mas principalmente como meio de transporte. Tão logo o teste de gravidez nos jogou dois risquinhos paralelos no colo (indicando o positivo), a pesquisa sobre cadeirinhas de criança para bicicleta se tornou um passatempo. Andávamos na rua observando pais e mães e suas crias indo à escola ou em direção ao parque. Os olhares de entusiasmo dos pequenos eram o impulso das pedaladas de seus genitores. 

Porém, pouco antes de Dora nascer, a soma do cansaço, consertos, inverno, chuvas e um pingo de receio do trânsito na reta final da gravidez , me fizeram largar a bicicleta. Daí Dora veio ao mundo como veio tornando eternos os dias de UTI Neonatal, apresentando os movimentos das crises, contando as doses dos medicamentos. Sua condição nos tomou de assalto e, rendido pelo inesperado, abandonei de vez a atividade que me trazia oxigênio ao corpo, rechaçando qualquer menção àquilo que um dia representou a ideia de uma família feliz.

A bicicleta foi a estrutura onde minha esposa e eu nos entrelaçamos e de onde sairiam os ramos dessa união. Com a Dora, a bike havia se tornado um baú de memórias de um futuro inexistente. Já não haveria mais rodinhas a serem tiradas da bicicleta infantil, não haveria risadas após a primeira volta em equilíbrio. Tampouco haveria pai, mãe e filha visitando um parente em um sábado de sol. O objeto de júbilo tornara-se outro representante da frustração. Frustração a nos corroer e a nos arrancar todo e qualquer intuito de existir. Isso aconteceu até eu participar de um grupo de homens onde ao final do encontro nos comprometemos a tomar atitudes de carinho e cuidado para conosco.

Minha saúde e bem estar haviam sido empacotados e jogados no canto junto com o ciclismo e esperavam pelo dia quando eu me sentiria bem o suficiente para resgatá-los. Mas não acreditando na chegada de tal momento, inverti a questão. Eu não melhoraria para cuidar de mim, mas cuidaria de mim para melhorar! Eu decidi tomar de volta, pouco a pouco, todas as peças para compor meu mural de ser, de me amar, de zelar por mim.

E quase dois anos depois, a rotação dos pedais desvaneceu a poeira do desencanto. Pedalar me ativou músculos que estavam acomodados em se deixar levar pela realidade. Me fez lembrar de uma época pré-paternidade onde o futuro não me demandaria 'ressignificações'. Um futuro onde eu ensinaria para minha filha que andar de bicicleta é a atividade que nos transforma em crianças novamente.

Dora talvez não utilize as cadeirinhas de bicicleta e talvez não encontre equilíbrio em duas rodas. Ela vocaliza pelo não convencional. Talvez ela não aprenda noções cognitivas sobre crianças, adultos, meios de transporte. Mas, planejar passeios em família, em carrinhos acoplados à minha bicicleta, será o novo passatempo aqui em casa. 

 


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